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A pesquisa básica e suas contribuições no tratamento do paciente queimado

 

"A essência do conhecimento consiste em aplicá-lo, uma vez possuído." [Confúcio]

Com o avanço no tratamento do paciente queimado a partir da Segunda Guerra Mundial, definiu-se a necessidade de centros especializados para o tratamento das vítimas de queimaduras. O intenso aprendizado com todas as grandes catástrofes ocorridas no mundo, os dados epidemiológicos cada vez mais apurados. O progresso no controle da infecção, de cuidados intensivos e de nutrição e a adoção da cirurgia precoce e a cobertura definitiva das lesões, juntos, determinaram a diminuição da mortalidade do paciente queimado.

O que ainda continua sendo uma verdade é que, na internação de um paciente com queimadura, não é possível responder com certeza qual paciente terá boa ou má evolução, mesmo com todas as informações clínicas, pois a evolução do paciente é complexa, depende de vários fatores relacionados ao local do atendimento multidisciplinar e da resposta individual de cada paciente, portanto, multifatorial e imprevisível.

No ambiente acadêmico, o exercício indissociável do docente deve constar do ensino, da pesquisa e da extensão, todos permeando o contexto assistencial à saúde da população. Durante a pós-graduação stricto sensu, realizada parcialmente em ambiente laboratorial, aprendi como clínico-cirurgião que o pesquisador de cadeira básica se nutre do que ocorre na clínica para criar modelos experimentais de pesquisa para estudar num ambiente controlado o que ocorre no humano com tantos vieses. Esse conhecimento adquirido no laboratório deve voltar à clínica para alterar o entendimento das doenças e mudar o tratamento. Esse processo chamado de Medicina Translacional, em nosso âmbito cirúrgico, de Cirurgia Translacional, é a passagem do conhecimento obtido na bancada laboratorial por pergunta clínica inicial para o assistencial.

É nessa pesquisa translacional que temos a biologia celular, como a cultura de células da pele no estudo das queimaduras, para realização de experimentos in vitro, como também a biologia molecular, com o uso de várias técnicas, para estudar o código genético individual e suas mudanças perante o evento queimadura, e o seu produto funcional final, que são as proteínas, responsáveis pelo funcionamento do organismo.

A busca da pesquisa básica no tratamento do paciente queimado tem o papel de procurar descobrir meios de avaliar, nos primeiros momentos da chegada do paciente queimado à unidade de tratamento de queimaduras, toda informação genética e proteica quanto à possível evolução clínica para o melhor planejamento terapêutico. Se pudéssemos por meio de uma simples coleta inicial ou seriada de sangue ou outros líquidos e tecidos biológicos obter um mapeamento do perfil genético e proteico do paciente quanto aos marcadores inflamatórios, imunitários, cicatriciais, e outros processos fundamentais para a sobrevida humana, que nos direcionasse no seu tratamento, com baixo custo e rapidez, teríamos um arsenal a nossa disposição como no tratamento do câncer, no qual existem marcadores genéticos específicos dos diferentes tipos de tumor, diferenciando seu tratamento e evolução.

Essa busca de marcadores preditivos no trauma e na queimadura é algo bem recente, e quanto maior for a exposição desses resultados para a comunidade científica e médica, e o contato de toda a equipe clínica com esse novo tipo de conhecimento, maior será a difusão desse conhecimento e, em futuro próximo, todos estarão analisando resultados de marcadores genéticos como analisam, por exemplo, um hemograma completo. Por enquanto, quando são apresentados estudos de biologia molecular ainda encontramos a maioria dos clínicos-cirurgiões sem entender como a pesquisa básica pode melhorar o tratamento do paciente queimado. O futuro da pesquisa nos próximos 10 anos estará nesse campo, como os doutores Wolf, Tompkins e Herndon afirmaram1.

Para finalizar, ressalto a importância de existir uma unidade de tratamento de queimaduras dentro de instituição acadêmica com forte dedicação à pesquisa e com penetração internacional, como foi a idealizada e criada com o esforço visionário pessoal da professora titular de Cirurgia Plástica da Escola Paulista de Medicina Lydia Masako Ferreira, pesquisadora e inovadora em vários campos acadêmicos. Convido a todos os interessados, que têm um pesquisador interno adormecido com vontade de produzir ciência e divulgar novos conhecimentos com o rigor científico necessário aos dias de hoje, a buscar o Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Translacional, nota 6 da CAPES, com mestrado profissional, além do mestrado e doutorado acadêmico2.


REFERÊNCIAS

1. Wolf SE, Tompkins RG, Herndon DN. On the horizon: research priorities in burns for the next decade. Surg Clin North Am. 2014;94(4):917-30. doi: 10.1016/j.suc.2014.05.012.

2. Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo. Pós-graduação em Cirurgia Translacional [Acesso 12 Fev 2016]. Disponível em: http://www.unifesp.br/dcir/cirtrans/mestrado-profissional










Professor Adjunto Livre Docente e Vice-chefe da Disciplina de Cirurgia Plástica da Unifesp/EPM. Orientador do Programa de Pós-Graduação em Cirurgia Translacional da Unifesp/EPM. Coordenador do Laboratório de Cirurgia Translacional da Unifesp/EPM. Conselho Editorial Nacional da Revista Brasileira de Queimaduras - RBQ

 

 

Dísponível em :http://www.rbqueimaduras.com.br/default.asp

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